A próxima segunda feira será um feriado bancário aqui na Inglaterra. Durante a aula de inglês, uma brasileira teimou em saber qual a justificativa de tal data, já que não se trata nem de um feriado religioso ou data comemorativa nacional. Uma colombiana sentada ao meu lado e mais esperta que a brasileira sedenta por respostas pragmáticas, definiu logo: "They're rich and if they won't to work, it's possible. We are poor!".

Na verdade é mais ou menos isso. O assunto se estendeu de modo que o teacher Mrs Paul "Burns" listou todos os feriados nacionais. Juntos, eles resultam em uns dez dias apenas. O da próxima segunda feira é comemorado sempre na última segunda feira do mês de agosto. Acho que serve mais ou menos como uma despedida do verão.

Nesta data, diversos eventos acontecem pelo país e os ingleses aproveitam para viajar e relaxar. Não à toa, que o Reading Festival que se inicia hoje, está programado para estes dias. Outro evento é o carnaval de Notting Hill, que acontece no domingo e na segunda e parece atrair muita gente pelas ruas do bairro.

Por outro lado, fim de mês e feriado é igual em qualquer parte do mundo. Estou à procura de trabalho em algumas agências e todas elas me disseram o mesmo "Come back after holliday, at setempber start". Já entendi o recado. O foda que ficar parado por aqui é muito chato, fora a pressão psicológica do quanto de dinheiro eu ainda possuo. É comum dizerem que comida é barato por aqui. Sim, uma Coca cola 2L custa 1 libra e 39 pences no Coustcouster, porém multiplique este valor por quatro e você terá o verdadeiro valor de quanto eu estou pagando por um refrigerante. O negócio é bom, mas somente quando se recebe no dinheiro deles.

Ainda sobre as base simplórias deste capitalismo, estou em um lan house no centro da cidade, que cobra 2 horas por uma libra. Na rua de trás existem diversas lojas de instrumentos musicais e lá se encontram algumas Fender's modelos jaguar e jazzmaster, à venda por 645 pounds. No Brasil elas teriam que ser importadas e custariam em torno de 4500 reais. Estas guitarras representam meu maior sonho de consumo neste país. Se um dia eu adentrar numa daquelas lojas e sair de lá com uma delas, significa que eu terei vencido.

Mas até lá ainda existe muito chão e não sei quantas vezes eu ainda acordarei de manhã com o mesmo sonho recorrente, de estar voltando pra casa em um vôo de sexta feira com volta para o domingo. Para passar no Brasil um feriado de fim de semana.

Ha pouco, na cozinha aqui deste coletivo, um dos moradores disse "Comprei Guarana Artarctica". De imediato nao percebi o que havia de especial nisto.
A questao he que o guarana havia sido comprado em uma loja de produtos brasileiros.

Entao me caiu a ficha, que em momento algum eu havia encontrado guarana nenhum em algum supermercado. Nao que houvesse especificamente procurado por ele, mas eu tinha esta estranha sensacao de que algo estava faltando pelas prateleiras das lojas dos indianos ou dos supermercados.

Fui para o banho pensando nisto, uma possivel estrategia de marketing global capaz de tornar o guarana brasileiro, um produto massivamente mundialmente conhecido; ja que potencial ele tem, principalmente se comparando-o com algumas aguas sanitarias coloridas que eles tomam por aqui como refrigerante.

Imaginei qual seria o veiculo capaz de tal proeza, e a resposta foi quase que imediatamente obvia. Nao por menos que o Guarana Antarctica he o patrocinador oficial da selecao brasileira. So nao entendi ainda por que ele nao he tao difundido quanto pelo menos a Pepsi, que se encontra na maioria dos lugares por aqui.

Relembrando e situando como esta he grande e os seus personagens envolvidos: o Ronaldinho Gaucho foi ou he garoto propaganda da Pespi. Por outro lado, o Ronaldo Gordo deve ter tomado um caminhao de Guarana Antarctica apos a campanha publicitaria. Fora o maco de Marlboro que ele nao aceitou fazer propaganda. E nem precisa. Marlboro por aqui vale ouro e vem contrabandeado da India. Paro por aqui.

Ando imaginando uma possivel guerra etnica em Londres. Ingleses contra os Negros contra os Indianos contra Brasileiros contra Paquistaneses contra todo mundo. O Guns Van Sant esta perdendo tempo com sua trilogia estadounidense. Por aqui tem muito mais conteudo. Se por la o negocio ja rendeu dois longos e otimos filmes, por aqui a analise do caracter social rende uma novela ou um seriado destes para ir ao ar toda semana.

Preciso arrumar um emprego e parar de pensar tanto, ou continuar pensando e descobrir alguma forma de me pagarem por isto. Parei, senao logo fico com insonia. Queria mandar um beijo para alguem... Boa noite a todos.

Eu a vi quando peguei o onibus em Hyde Park Corner. Estava no segundo andar destes onibus britanicos. Sentei em um dos bancos vazios e olhei para o lado. Ela me olhava. Voltei a atencao para a frente e quando olhei novamente de relance, ela ainda me olhava.

Era uma garota de tracos orientais vestida com um vestido exotico, sintetico, um pouco verde, um pouco rosa, porem nao lembrava a Mangueira carioca, pernas amostra, rock'n roll; como as algumas garotas inglesas se vestem independente do frio. Ela possuia um belo par de pernas, grossas e bem torneadas. Porem, de relance ela se levantou e desceu para o piso do onibus, como se seu ponto tivesse sido esquecido alguns metros atras.

Logo cheguei a meu destino e tambem desci. Para a minha surpresa ela ainda estava la, junto a porta. Novamente me olhou e desta vez nao teve como, lhe envieei um sorriso bem correspondido.

Descemos no mesmo ponto em Tottenhan Court Road. Ela saiu apressada, as vezes olhando para a tras para ver se eu a seguia. Descidi me manter distante, nao sei qual podeira ser a sua reacao. Este e um mundo cheio de pessoas neuroticas e malucas; e eu, apenas um recem chegado ao velho mundo.

Em frente ao teatro, diversos jovens esperavam ou tinham acabado de assistir a Billy Eliot, o musical. Eram tantos que ensaiavam uma especie de tumulto juvenil frenetico. Entao ela se perdeu no meio de seus corpos. Achei por melhor. Me dei por vencido e pude tranquilamente procurar pelo meu proximo onibus, minha proxima conexao.

Quando peguei a Oxford Street, la estava ela, no primeiro ponto com seu vestido exotico e suas pernas a mostra. Entao nao houve como ou outro porem. Estampei um simpatico sorriso no rosto e me aproximei. "Hi Girl".

Conversei alguns intantes com ela. Era londrina, com dezoito anos e estava indo para a casa dos amigos. Estava com mau halito. Eu nao sabia mais o que dizer. Me auto convidaria para ir ate a casa dos seus amigos? Depois pensei, poderia ter perguntado quais eram as bandas de sua preferencia. Mas nao fiz nada disto. "Sorry for my simple english". "I'm going to my house. See you. Bye". Nem peguei seu telefone. Quando cheguei na proxima esquina e olhei para tras, ela ainda me olhava e me acenava com a mao. As vezes seu vestido balancava com o vento; e eu, segui em frente rumo ao meu proximo onibus.

Quando se programa vir para Londres, imagina-se se que chegando aqui, se encontrara uma especie de programa de trabalhos para turistas, algo meio fake, como o passeio para turistas estrangeiros na Rocinha, no Rio de Janeiro.

Mero engano. Ontem foi meu primeiro dia de trabalho. Cobri uma folga lavando pratos na cozinha de um pub. No comeco parece mil maravilhas. Quando o radio comecou a tocar Wouldn't it be nice, dos Beach Boys, pensei: ''Onde mais eu iria trabalhar com esta musica saindo pelos falantes do radio?''. Manti a calma e imaginei ''Vou de leve, para minha eficiencia nao ser maior que a demanda e eu me pegar de bracos cruzados na cozinha''.

Novamente mero engano. Voce acha que um cheff de cozinha argelino esta trabalhando ali por experiencia ou por nao ter outra oportunidade em seu pais de origem? Logo a pia estava cheia e eu abarrotado. As vezes trocava algumas frases com o argelino e continuava no batente. No final foi bom, apos quatro horas de servico e ainda escovar o chao da cozinha com um esfregao, recebi meu primeiro soldo: 30 libras no bolso. Sai entusiasmado, afim de encontrar alguma balada. Sabia que no teatro onde o Minas trabalha estaria rolando algo, mas meu celular estava sem bateria e eu nao possuia nenhuma possibilidade de contato. Voltei para casa.

Onde, esta noite, surgiu um traveco. Puta coisa bizarra. Acho que tinha chegado do Brasil. Um traveco bem pobre, dos peitinhos muchos. Puta que pariu!!! Em quase quatro anos de republica em Londrina nunca traveco nenhum foi a minha casa, aqui em menos de uma semana, uma porra destas. Piorrr!!! E ele dormiu por aqui, nao no meu quarto.

Meu bairro aqui se chama Limehouse, um lugar com grande numero de indianos. Voces se lembram do Apu do Simpsons? Agora eu entendo a piada. Por toda Londres existem lojinhas como aquela do desenho onde se compra bebidas, sanduiches, chicletes, chocolates, cartao telefonico, vale transporte, sabao, cigarros.

Por todo lado existem negros, indianos ou brasileiros dirigindo Mercedes, Peageuts, BMWs. E' estranho ver estas pessoas dentro destes carros. No Brasil, dificilmente se via um negro dentro de um carro bom. Mas aqui 'e assim. No minimo soa estranho, como se todos os nordestinos de Sao Paulo possuiessem um Astra zero, entenderam o raciocinio? Nao sei se justo ou nao. A Inglaterra saqueou tanto a terra destes povos que talvez eles tenham o direito de ter algo hoje em troca, mas repito, no minimo e' estranho.

Hoje fui a um hipermercado, nao me lembro o nome agora, mas e' de propriedade do grupo Wal-Mart. Para poder retirar o carrinho voce precisa depositar uma moeda de uma libra, em uma especie de cofrinho localizada na alca do mesmo. Apos fazer minhas compras, na saida do supermercado, existiam dois funcioanarios, um negro e um indiano. Disse a eles que aquela era minha primeira vez ali e perguntei se teria minha moeda de volta. O negro disse que nao. O indiano me levou ate junto dos carrinhs e me mostrou que quando conecto o carrinho a corrente presa ao carrinho da frente, a moeda magneticamente se solta. Talvez seja por isto que aqui seja' um lugar onde o racismo fica mais a flor da pele. Tomando a parte pelo todo, algumas coisas se justificam.

• 4 jeans e 2 moletons;

• 37 fotos para relembrar e mostrar de onde vim e quem sou
•O On the road do Keroauc;
• O Pergunte ao pó do Fante (os dois pelo mesmo motivo que um evangélico não sai às ruas sem a bíblia debaixo do braço);
• O Uivo do Allen Ginsberg, para completar a tríade;
• Minha querida Sputnik, do Murakami, para ser devorado no avião;
• Verdes vales do fim do mundo, do Bivar, como releitura agora de um mundo modernizado;
• Reações psicóticas, para lembrar que se Bangs estivesse vivo, metade daquelas bandas atuais não estariam tocando em um club;
• Bagana na chuva do Bortolotto, pela citação do Marlboro Man na dedicatória de abertura do livro;
• 11 gigas de Mp3 para entupir os ouvidos;
• O corpo, a alma e o espírito, para queimar no prazer da carne, sofrer nas dores do cérebro e evoluir na escalas dos anjos.